sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A Arte na Educação formal.




Em 1988 estava numa sala de aula junto de outras 35 crianças, recém chegada de uma pré-escola no quintal de uma casa. Assustada estava, entrou um homem naquela sala enorme, ele trazia um violão. Sentou numa cadeira e começou a tocar e a cantar:

"Vento que balança as folhas do coqueiro, vento que balança as folhas do mar..."
Senti o vento no rosto, cantei junto com todas aquelas vozes. Descobri que aquela era a minha aula de Arte.
Esperei ansiosamente o encontro seguinte, esperei mas nunca mais aconteceu, o que minha memória guarda é que não teríamos mais aula de Arte, pois o "governo" havia "cortado" as aulas.


Os anos se passaram e na sexta série encontrei aulas de Educação Artística, um caderno era o espaço de expressão, ângulos, retas, vértices, nunca nos entendemos, e no ano seguinte desapareceu. O "governo" havia "cortado" .


Reencontrei as aulas de arte no curso de Magistério, onde passávamos o tempo pintando desenhos de datas comemorativas pra montar uma pasta, que nos serviria até hoje não sei pra que.
Em 1996 a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estava em minhas mãos, eu estudante cheia de fome de esperança vi naquelas palavras complicadas pros olhos de uma garota de 15 anos, algo que me fez voltar a música do coqueiro, a brisa do mar.

A brisa do mar me levou até uma formação universitária em Arte-educação.
Faz 14 anos que as aulas de Arte voltaram para a grade curricular da educação básica das escolas do Brasil. Voltaram?
A Educação Artística, a aula de Arte, a artística e todas as suas nomenclaturas, que professoras, crianças, diretores e coordenadores usam. Muitos nomes, muitos jeitos de realizar esses encontros com a Arte na educação básica, muitos caminhos tortuosos, poucos encontros de fato.

Lecionei até poucos dias atrás, aulas de Arte em uma escola estadual na cidade de São Paulo, e muitas vezes me senti em 1988, não pela brisa no rosto, mas pela mesma sensação do corte. E pelo que esperam de "produto" desses encontros, lembrancinhas, cartões, enfeites. E a expressão, e o contato com a linguagem, e a apreciação? Não sei, não cabe, se aparece logo é cortado.
A grade, o governo, o corte, a volta. E como é essa volta?

Ainda acontece, não se achou um lugar, não há um lugar. São dois dias da semana, durante 50 minutos que um professor ou professora faz de conta que... a Arte passa por ali.
O fardo ficou pesado, o "governo" e seu "corte" atingiu a mim. Foi profundo.
Mas não chegou a matar a vontade de encontrar a brisa no rosto.


A Arte na Educação formal, nas escolas públicas e particulares, só acontece quando tem alguém oferecendo seu pescoço, é um risco de morte, é uma batalha das mais sangrentas e só o humano sangra, pois a guerra é contra "grades", "governos", "curriculuns", abstrações e formalidades que nunca estão lá pra lhe dizer bom dia, mas sempre estão pra lembrar o quanto você é incapaz de cumpri-las respeitando a si e seus maiores parceiros, os alunos.


A LDB como é chamada carinhosamente pelos profissionais da educação, trouxe a Arte para as "grades" e "curriculuns", a prendeu bem amarrada, de lá não tem como sair pois o discurso que ela é essencial já está fincado na guela de todo profissional, já está conformado.


Minha saída da educação formal traz a tona o desejo que nós possamos sobrevoar, plainar, pousar, correr, entre as grades.
A menina de 1988 traz a notícia de que pouca coisa mudou, não aposentaram o mimiógrafo e nem os moldes, tudo parece estar como sempre esteve.


Giselda Perê


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